O capitão Fionn olha mais uma vez para
a bússola. Era a terceira vez na última hora, e isso deixara seus homens inquietos. Mas ele não se importava. A missão era importante demais,
pessoal demais, e o próprio capitão estava nervoso. Que seus homens partilhassem do seu
humor, mesmo que por pouco tempo.
Homens. Alguns nem podiam ser chamados assim. Afinal, ele
tinha Igor, um bestial tubarão martelo com pernas e braços que respira fora d'água limpando o convés. Milagres da wyld, pensa
o capitão. Mas não temos nenhuma
mulher! Completa ele, cuspindo ao chão. Em todo caso, o que se esperar de um navio pirata
chamado o Orfanato? Especializado em
recolher todos os rejeitados e excluídos das ilhas do oeste e
transformá-los em marujos, tendo como única regra que os aspirantes não tenham para onde voltar, o Orfanato era um navio no mínimo interessante.
A embarcação em si já fora um courrier leve,
de apenas um mastro e duas velas. Os outros capitães
piratas diziam que era um casca de noz com velas, prestes a afundar com o
primeiro tiro. Mas era assim que o capitão Fionn gostava: uma embarcação leve e manobrável. Em várias batalhas, quando
avistava seus inimigos, muito antes que estes pudessem calibrar seu
primeiro tiro, sua "casquinha de nóz" já estava em ponto de ataque, e ele deixava que as bocarras
dos seus canhões frontais de 15 polegadas dessem as boas
vindas.
Ele aperta a bússola com força, fazendo sua luva de couro ranger. Apesar da brisa calma,
o capitão continuava a usar seu pesado
manto de lã de cordeiro. Vindo das ilhas
noroeste, ele estava acostumado com um clima bem mais hostil. Quem vêm
do norte, traz o inverno no coração, era o que seu pai sempre
dizia. Por isso mesmo ele não tirava seu manto nem em uma
batalha. Quer dizer, por isso e pelo fato que tinha escondido no manto seis
facas, dois machados, cinco ganchos, uma corda, três bombas de fumaça, um frasco de óleo e jade costurada no colarinho para subornar guardas
eventuais.
O que mais inquietava seus homens era que em nenhum momento
ele consultara as tábua de bússolas. Para navegar nessas águas,
todo capitão precisava pelo menos de três: uma normal, de agulha de jade branca que aponta para o
monte Meru, o centro da Criação, uma de fios de prata com pó de gossamer, capaz de apontar para a próxima fissura da realidade aonde a Wyld emergiria, e uma de
ferro negro e sangue, que consegue localizar o Território Sombrio mais próximo, lar dos mortos.
Mas a bússola que ele segurava era
diferente. Assim como ele, ela tinha uma missão.
Envolto nesses pensamentos, seu imediato interrompe:
- Capitão! Temos noticias de três outros capitães da liga. O ponto de
encontro vai ser próximo da capital de Wavecrest,
em Bjun.
- E quanto aos outros sete? Pergunta, sem olhar para o
imediato
- Devem ter recebido a mesma mensagem. O pássaro chegou quase agora. Eles estão usando corvos no lugar de pombos, meu capitão. Corvos não descansam até chegar no destino.- O imediato responde apontando para a
ave, que agora estava numa gaiola, saboreando um pedaço de carne seca.
- Então que seja Bjun. Só espero que os deuses do vento e do mar estejam calmos esta
noite! - Sempre dizia isso, mas nunca dera a mínima
para os deuses. Cresceu aprendendo que os homens fazem seus próprios destinos. Mas esta noite ele queria ser um homem de fé. Queria que os ventos realmente carregassem o Orfanato.
Afinal, não é todo dia que um homem vai resgatar a si mesmo da prisão.
(texto inicial por Dr Derrame)